A Redenção de Johan - Parte VI
Logo na entrada guardas me avistaram, com uma das mãos indicaram para que eu parasse, enquanto a outra ia em direção às armas sem qualquer tentativa de disfarçar.
Eram uns novatos, estavam claramente com medo e evitavam olhar diretamente para mim até que seu superior apareceu.
- O que você quer aqui escória? – disse quase cuspindo as palavras.
- Não quero problemas com você, soldado. Não sou mais um membro do Flagelo, minha mente foi libertada em uma batalha quando nos rebelamos contra o Lich Rei e estou aqui para entregar pessoalmente uma carta do Lorde Tirion Fordring nas mãos do rei Varian.
O soldado pareceu surpreso e logo em seguida contrariado, mas abriu espaço e acenou com a cabeça para que eu passasse.
- Siga as placas direto para o castelo. Qualquer Cavaleiro da Morte que for visto perambulando sem a permissão do rei será preso e enfrentará julgamento. – disse o oficial com ar de superioridade.
Resolvi responder aquele gesto com um sorriso cruel convidando-o a me caçar e puro pavor atravessou a expressão dos três soldados a minha frente. Um pouco de diversão não faria mal e ensinaria que talvez nem todo Cavaleiro da Morte que passasse por ali teria boas intenções. Todo cuidado é pouco.
Mal adentrei ao Distrito Comercial e as pessoas pararam o que estavam fazendo para me observar andando. De início medo e horror estampavam suas feições, mas liderados por um ou outro mais corajoso começaram a me ofender e a amaldiçoar, exatamente como Arwen disse que fariam. Tiveram até alguns que jogaram restos de comida estragada em mim, confesso que esse tipo de afronta me deixou mais surpreso do que ofendido.
O primeiro instinto, é claro, seria descer do cavalo e matá-los pela ousadia, mas contive esse impulso e até senti um pouco de vergonha. Estava aqui justamente para lutar contra tudo aquilo que um dia representei e ainda sofria esse tipo de reação.
O caminho não era complicado. Deveria pegar a saída leste do Distrito Comercial e contornar a Cidade Velha que dava acesso ao Castelo. As agressões continuaram por todo o caminho, percebi apenas uma ou outra pessoa que pareceram me olhar com pena, talvez fossem sacerdotes também... não sei dizer.
A cada passo que Thuryon dava em direção ao castelo fazia com que as palavras de Darion Mograine ecoassem na minha cabeça “Você é agora, e sempre será, um Cavaleiro da Lâmina de Ébano, Johan, mas saiba disto: você já foi um herói da Aliança.” Meu papel não era apenas oferecer meus serviços, mas também representar os Cavaleiros da Lâmina de Ébano perante a Aliança como aliados poderosos e indispensáveis à vitória em Nortúndria, e minha única chance de conseguir isso era por meio da carta de Tirion Fordring.
Diante do castelo tive que me explicar mais uma vez aos soldados, mas quando mencionei a carta do Lorde Fordring eles se espantaram e um deles correu para anunciar minha chegada.
Pouco tempo depois voltou e me informou que eu era esperado pelo rei.
Deixei meu cavalo do lado de fora, para que um dos soldados tomasse conta. Percebi pelo canto do olho que não era apenas eu que deixava os outros desconfortáveis. Aposto que estavam discutindo para ver quem seguraria as rédeas de Thuryon e o animal parecia se divertir com aquilo. Caminhei, então, até o trono e logo avistei o rei Varian Wrynn. Tenho que admitir que a visão é realmente imponente.
- Vossa Majestade, eu...
- Você tem meros momentos para viver. – disse Varian sem se incomodar em saber o que tinha para dizer.
Resolvi que o melhor seria entregar logo a carta e depois, se tivesse a chance, me explicar.
Estendi o rolo de papel com o selo dos Mão de Prata lacrando o seu conteúdo para o rei. Varian o pegou com descaso, mas logo seu conteúdo o chamou a atenção.
Depois de ler a carta com muito cuidado, fixou seu olhar em mim e disse:
- Se não fosse por esta carta de Tirion, você seria uma mancha no meu chão. Apenas um endosso de um dos maiores paladinos que já viveu poderia garantir sua sobrevivência.
Não podia negar, estava aliviado, mas o rei não havia terminado...
- Nós... nós trabalharemos juntos contra o Flagelo. Contra o Lich Rei! – e então virou para ninguém em particular e gritou – Glória à Aliança!
Fiz uma reverência e agradeci a oportunidade, informei que me apresentava não apenas para entregar a carta do Lorde Tirion, mas como representante dos Cavaleiros da Lâmina de Ébano, rebelados e libertados das influências do Lich Rei como uma poderosa aliança.
Varia acenou e convidou a todos para segui-lo até a porta do castelo e de lá gritou as boas novas ao seu povo:
“Povo de Ventobravo! Cidadãos da Aliança! Seu rei fala!
Hoje marca-se a primeira de muitas derrotas do Flagelo! Cavaleiros da Morte, antes a serviço do Lich Rei, se libertaram do domínio dele e formaram uma nova aliança contra a sua tirania!
Vocês receberão estes antigos heróis da Aliança e irão trata-los com o respeito que tratariam a qualquer aliado de Ventobravo!
Glória à Aliança!”
Pude sentir a satisfação de poder me juntar aos exércitos e combater aquele que me escravizou durante quase uma década.
Com minha permissão para circular pela cidade e com meu novo título de membro da Aliança, acreditei que não teria problemas em me dirigir até o Distrito dos Anões, onde Arwen me encontraria.
Percebi que os cidadãos ainda não estavam exatamente confortáveis com a ideia, mas ninguém desrespeitou a ordem do rei e alguns até pareceram estar arrependidos ou envergonhados.
Como o Distrito dos Anões é um dos que dá acesso ao castelo, cheguei rápido e logo encontrei o local descrito por Arwen. Entrei no bar e saí pela outra porta, atravessei o beco e encontrei a discreta estalagem.
Subi as escadas e me dirigi ao quarto que haviam me indicado. Bati na porta e Arwen abriu uma fresta receosa, mas logo seu rosto se suavizou.
- O que foi? Ficou com medo de que o rei fosse me matar antes que eu conseguisse falar?
Ela abriu a porta para que eu pudesse entrar e respondeu fechando atrás de si.
- Na verdade... fiquei com um pouco de medo, sim.
- Você não foi a única. – disse soltando uma risada aliviado. – por um momento eu achei mesmo que ele fosse mandar me matar antes mesmo de saber o que eu tinha para dizer, mas ofereci algo que ele não poderia recusar.
Arwen fez uma cara de dúvida, mas não quis saber mais do assunto. Contei sobre o pronunciamento e poderia dizer que ela ficou... radiante.
- Johan, isso é realmente maravilhoso! – em seguida olhou para a irmã deitada na cama e sua expressão ficou um pouco mais séria – Preciso ir a um lugar, preciso que fique com minha irmã até ela acordar e por favor, não deixe de mencionar o que aconteceu.
Antes que eu pudesse protestar, Arwen já estava com seu manto no braço atravessando a porta. Olhei para o rosto de Lorelyn... era como se descansasse sem nenhuma preocupação, como se não houvessem problemas no mundo.
Fiquei velando seu sono como fazia uma década antes... observei seu rosto e tive vontade de rezar, de implorar para que nada mais de ruim pudesse acontecer a ela, para que jamais pudesse sofrer de novo.
O tempo foi passando e comecei a me perguntar se não tinha cometido um erro maior do que eu pensava ser possível. E se Lorelyn tivesse seguido com sua vida? E se tivesse conhecido outra pessoa? Essas coisas começaram a me causar outros tipos de apertos no peito, coisas que não conseguia descrever.
Continua...