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A Redenção de Johan - Parte V

- Que o golpe final venha então da sua espada, Lorelyn, como da última vez.


Tudo que eu ouvi foi um estrondo. Abri os olhos temeroso e percebi que o corpo de minha esposa estava inconsciente no chão de pedras.


- Pela Luz! Achei que não fosse conseguir derrubá-la! Normalmente não conseguiria, mas acho que Lorelyn ficou tão abalada que baixou a guarda.


- Arwen! O que você fez? – disse enquanto me abaixava para verificar como Lorelyn estava.


- Desculpa, Johan. Eu vi como você olhava para o nada enquanto falava comigo lá na estalagem e algo me disse que você não ia apenas em busca do rei Varian. Achei que estava fazendo a coisa certa quando mandei um bilhete para o posto mais avançado, sabia que minha irmã estaria lá, só não sabia que ela não leria o bilhete por completo. – explicou Arwen enquanto abaixava para também verificar o estado da irmã. – Quando você “morreu” ela jurou vingança e criou dentro dela um ódio tão forte em relação Flagelo e tudo que aconteceu, que quase atrapalhou sua conexão com a Luz durante seu treinamento como paladina.


- Entendo que queira ajudar, Arwen, entretanto, não há mais nada para mim aqui. – disse enquanto me voltava para o meu cavalo. – vou voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saído. Causei mais dor do que poderia imaginar a mim mesmo e a pessoa que descobri ainda amar...


Arwen me puxou pelo braço e seu rosto aflito apareceu diante dos meus olhos. Com um gesto apontou para trás, próximo a uns arbustos na beirada da estrada.


- Johan, por favor, não desista agora! Tem uma carruagem de transporte de mantimentos ali nos arbustos, vamos para Ventobravo, ao menos se apresente ao rei, se quiser podemos conversar no caminho. Colocamos a Lorelyn na parte de traz coberta, afinal... acho que nenhum guarda nos deixaria continuar viagem se descobrissem que temos a Marechal Lorelyn desacordada no fundo da caçamba né? – e arriscou um sorriso.



E pela primeira vez, não contive minha expressão de espanto com o título mencionado. Na realidade, relembrando como éramos tantos anos atrás, acho que mais me impressiona o fato de ainda não ter virado “rainha”.


Acenei afirmativamente para Arwen, não poderia deixa-las nessa situação. Meu peito ainda estava apertado com as últimas palavras de Lorelyn e ainda assim, não poderia simplesmente abandoná-la na estrada no meio da madrugada.


Nossa viagem ruma a Ventobravo seria relativamente curta, restava a menor parte de todo o meu percurso a ser completada. Apesar do horário considerado perigoso para circular pelas estradas, não me intimidei e tenho certeza de que este também era o menor dos problemas de Arwen.


- Johan... como foi que... como foi que você conseguiu se libertar?


Eu instintivamente virei a cabeça para o lado contrário, algo como vergonha deve ter transparecido pelo meu rosto enquanto a memória invadia minha mente.


*Flashback*


Thassarian havia me enviado à Capela da Chama Carmesin alegando que precisavam de mim para resolver uma pendência. Chegando lá recebi ordens do Comandante para executar um prisioneiro.


Entrei com a espada em punho. Percebi logo que haviam vários outros prisioneiros, poderia ter me perguntado a razão pelo qual apenas o humano ter que ser executado, mas não cabia a mim questionar... eu só obedecia.


Ele estava acorrentado ao chão e apenas levantou a cabeça para me encarar e teria sido só isso, não fosse a cara horrenda que ele fez ao me ver. Rostos deformados pelo medo não eram novidade pra mim, mas a feição de como se tivesse visto um monstro me fez hesitar por um segundo.


Apertei o cabo da espada pronto para cumprir o meu dever, mas ele começou a falar: “Johan! Johan... é você? O que fizeram com você, meu amigo? No que eles te transformaram?”.


Quando ele falou meu nome, algo pareceu se acender na minha mente, mas era só uma pequena fagulha num poço de névoa e escuridão.


Os olhos dele começaram a lacrimejar, não sei se por ter me reconhecido ou se por medo, mas ele então continuou... “Você veio para me matar, não foi? Meu amigo... não acredito que fizeram isso com você” A essa altura ele já estava soluçando. Comecei a sentir algo estranho, não sabia o que era.



Toda aquela situação estava me deixando irritado e nervoso, o prisioneiro que não parava de choramingar e a sensação estranha. Então, sem dizer uma palavra e decidido a dar um fim àquilo, ergui minha espada e assim que a lâmina atravessou sua barriga, ele murmurou “Você não se lembra mesmo de mim? Sou eu... o Mathias...”.


Como se um clique de encaixe estalasse na minha cabeça, a sensação que eu havia sentido era familiaridade... eu já havia visto aquele rosto antes, mas não conseguia acessar as memórias ligadas à ele. As palavras “Mathias” e “amigo” ficaram na minha cabeça e minha mão foi automaticamente em direção ao colar que eu guardava.


*Fim do flashback*


Não saberia dizer com certeza, mas acho que foi naquele momento que algo na minha mente despertou, acho que foi o começo da luta contra o controle do Lich Rei. Depois daquele dia as coisas foram ficando cada vez mais sem sentindo. Eu não entendia o porque fazia as coisas que fazia ou porque obedecia tão cegamente à qualquer comando que me davam.


A batalha contra Tirion na Capela Esperança da Luz foi a continuação da fagulha que Mathias havia acendido na minha mente, foi o que possibilitou que eu me libertasse e selasse de vez o fim do controle do Lich Rei.


Percebi que Arwen ainda esperava uma resposta, mas não poderia falar para ela... eu simplesmente não conseguia contar o que havia acontecido, então apenas relatei rapidamente a última batalha, e que foi quando Tirion me entregou a carta que agora portava destinada ao rei.


O resto da viagem seguiu em silêncio, apesar de estar claro que a sacerdotisa estava louca para recomeçar a falar, não parecia se decidir sobre qual assunto arriscar. O que diríamos um ao outro, afinal? Mas eu sabia que minha amiga de longa data não era versada nas artes de “segurar a língua” e logo se pôs a falar.


- Johan, eu sinto que lhe devo desculpas novamente. – ela estava claramente puxando um assunto, mas não me sentia à vontade e não sabia se queria dar continuidade à conversa.


- Não há pelo que se desculpar, você deve desculpas apenas à sua irmã e... eu também devo.


- Eu fiquei tão feliz quando me dei conta de que não estava alucinando, quando percebi que era você mesmo! Outros passaram antes de você, outros Cavaleiros da Morte. Até onde sei, dizem que foram fazer o mesmo, pedir para servir ao exército da Aliança na investida em Nortúndria.


- E foram bem-sucedidos? – resolvi dar a ela a chance de tentarmos dissipar o clima ruim.


- Não sei, são só boatos. Acho que terá que ver por si mesmo, mas o que posso dizer é que foram hostilizados quando entraram na cidade. Parece que as pessoas não vêem como eu vejo.


- E o que deveriam ver exatamente, Arwen? Afinal, fomos nós que matamos e recrutamos seus familiares, pais, mães, filhos e filhas... Aceito os julgamentos, ofensas e maldições. Não posso pedir que nos perdoem pelo que fizemos.


- Mas... mas não eram vocês mesmos, vocês estavam sob o controle do Lich Rei.


- E ainda assim guardo as memórias de todas as atrocidades praticadas, o sangue de todos os inocentes que matei continua em minhas mãos.


Entendia o que Arwen queria dizer e só um coração bondoso totalmente devoto à Luz poderia pensar com tamanha clareza, colocando de lado todo o horror que causamos, que eu causei, especificamente, para enxergar quem somos agora: almas atormentadas tentando compensar o mal praticado.


- Sabe... Lorelyn não quis dizer aquelas coisas. Eu achei que ela enfrentaria isso de uma maneira mais racional, mas ela estava muito emocionada. – a sacerdotisa olhou para traz tentando averiguar o estado da irmã e completou – para estar desacordada por tanto tempo... deveria realmente estar com a guarda completamente baixa para o meu poder ter surtido um efeito tão grande.


O sol despontava no horizonte quando chegamos próximos aos portões de Ventobravo. Algo se mexeu dentro de mim. Seria ansiedade? Eu ainda estava aprendendo a identificar as sensações.



- Arwen, conduza a carruagem sozinha com o cavalo de Lorelyn. Toda a armadura dele também está escondida na caçamba da carruagem, É melhor que eu não seja visto com você, ou isso poderá trazer problemas para ambos.


- Olha... saindo do castelo, se você seguir a rua, contornando o Distrito dos Anões, vai ver uma loja de armaduras e logo em seguida um... bem... é tipo um bar – ela disse sorrindo meio sem graça – tem uvas e uma garrafa de vinho na placa e chama-se “A Menina Ladina". Digamos que não é um local muito bem frequentado, mas o que interessa é que é o único lugar que ninguém vai fazer perguntas se eu entrar carregando um corpo, desde que eu tenha dinheiro para pagar o silêncio. A outra porta do bar dá para um beco e um local onde você poderá se hospedar. Me encontre lá depois que terminar sua apresentação ao rei.


Deixei que fossem primeiro. Quase uma hora depois decidi seguir viagem. Logo na entrada guardas me avistaram, com uma das mãos indicaram para que eu parasse, enquanto a outra ia em direção às armas sem qualquer tentativa de disfarçar.


Continua...

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