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A Redenção de Johan - Parte II

- Seu cozido, senhor. – informou a mulher.

- Essa foi rápida. – disse abrindo a porta e quase instantaneamente fechando-a.

E com uma força que eu diria não condizer com o corpo esbelto e relativamente fino, a mulher de capuz projetou uma luz dourada impedindo que eu pudesse fechar a porta. Com a outra mão trazia meu cozido e disse debochada:

- O que umas moedas de prata não fazem, não é mesmo?

Entrei em alerta, medi a distância entre onde estava e a minha espada, calculei rapidamente qual seria a melhor estratégia a ser tomada e disse com a voz grave e séria.


- O que você quer, mulher? E tenha cuidado com a sua resposta, pode não ser a mais inteligente. Não estou procurando confusão. – completei enquanto encarava seu rosto na penumbra do capuz.


- Eu sei... eu sei... – disse ela abanando a mão já sem a magia dourada – não vim atrás de confusão, mas devo dizer que suas ameaças não me intimidam. Vim trazer seu cozido e... conversar.


- Não quero conversa com ninguém. O que quer que você queira falar, não me interessa. Apenas vá embora. – e virei levemente as costas para indicar que não era bem-vinda.


Uma pequena explosão dourada fez com que a porta batesse na parede deixando a passagem completamente aberta e então ela completou:


- Talvez você queira, Johan! – Ela puxou o capuz para traz e se eu ainda estivesse vivo, meu sangue teria gelado.



- A... ar... rwen! O que... o que vo-você – tentei dizer e falhei miseravelmente.


Eu não conseguia falar, não conseguia pensar, eu não sabia o que fazer. Era como se estivesse entrando em pânico, uma sensação que não sabia como reagir.


- Vejo que está feliz em me ver! – disse ela claramente achando graça da situação – Bom... acho que qualquer um pode ver que você precisa de ajuda e é isso que vim fazer. Coma enquanto está quente! - e entregou o cozido na minha mão enquanto fechava a porta atrás de si e me media da cabeça aos pés.


Arwen era uma grande amiga de anos atrás, antes de... antes de tudo acontecer, mas principalmente, Arwen é, ou melhor, era minha cunhada, irmã de Lorelyn, que era o suspiro de esperança que também me guiava a Ventobravo, minha companheira, meu amor... se é que eu ainda poderia sentir isso.


A verdade é que eu não teria me libertado do controle do Lich Rei se não fosse aquela fagulha no meu peito que insistia em queimar... e a única coisa nesse corpo semi-morto que ainda queima, a única coisa que ainda é quente dentro de mim e o único sentimento que ainda me resta.


Lorelyn... como estaria minha Lorelyn? Ao mesmo tempo em que a vontade de perguntar me consumia, o medo de ouvir algo que não queria me impedia de fazê-lo.


Foi então que meus pensamentos voltaram à mim e percebi que encarava o “famoso” cozido de Cerro Oeste com pesar, e que Arwen me observava com muita atenção, se ainda houvesse algum sangue em minhas veias, acho que teria ficado ruborizado. Pelo menos não precisava disfarçar isso...


- Preciso dizer que estou surpresa em vê-lo. Achávamos que estava... morto... – disse Arwen com tristeza e aflição ao me encarar – mas está vivo! – e um sorriso brotou no seu rosto.


- Não, Arwen, não estou vivo! Eu morri... e teria permanecido morto, não fosse a maldição do Lich Rei. O que tenho hoje correndo em mim é uma semi-vida amaldiçoada desde que ele me escravizou. Há morte e sombras ao meu redor, Arwen, sei que sua luz diz isso pra você, para se afastar.


O sorriso desapareceu e percebi pela sua expressão que minha suposição era verdadeira, sua luz a compelia a se afastar. Era como se a luz dissesse que eu era "errado".


- O que veio fazer na Floresta de Elwyn, então? – perguntou Arwen decidida a manter a conversa.

Pensei se deveria contar a ela a razão, a mais profunda verdade do porque vim até aqui, mas decidi me ater apenas à parte burocrática.


- Vou me encontrar com o rei. Tenho uma carta para entregar em pessoa. Já deve saber que houve uma batalha terrível contra o próprio Lich Rei. Nos rebelamos e conseguimos libertar nossas mentes. Vou oferecer ao rei Varian e a à Aliança as minhas espadas e lutar ao lado daqueles que um dia cacei na esperança de me redimir. A servidão foi quebrada, nossas mentes libertadas, mas as memórias do que fizemos permanece e ganhar consciência de tudo que foi feito é simplesmente... é difícil demais, alguns não conseguiram lidar... – eu disse enquanto voltava a encarar o ensopado já quase no final, incapaz de olhar para aquele rosto delicado e encontrar julgamento.


Senti que a atenção de Arwen não saia de mim, então juntei coragem para retribuir o olhar e percebi que ela estava indecisa, pesando as palavras, e assim que uma lágrima ameaçou escorrer pelo seu rosto, foi prontamente enxugada. Ela então suspirou e se recompôs.


- Enquanto você esteve... fora, treinei muito, me dediquei aos estudos e hoje sou uma sacerdotisa, como você deve ter percebido. – disse Arwen tentando mudar o rumo da conversa – Me deixe ajudar nos seus ferimentos, assim poderá seguir viagem e se apresentar ao rei mais rápido do que imagina.


Concordei com um aceno de cabeça e enquanto terminava minha sopa, Arwen trabalhava curando meus ferimentos. Percebia que estavam mais ou menos graves pelas caretas que ela fazia quando tirava o retalho que servia de bandagem.



Talentosa seria uma palavra humilde para descrevê-la. Arwen se tornou uma excelente sacerdotisa. Embora a Luz parecesse não se sentir a vontade, Arwen a dominou com disciplina e o processo acabou fluindo bem. Nunca antes na minha vida como um Cavaleiro da Morte havia sido curado pela Luz e a sensação trouxe lembranças e calor ao meu coração frio.


Não percebi quando apaguei. Acordei na cama sem os retalhos e com os ferimentos já quase totalmente cicatrizados. Arwen não estava mais lá, mas havia uma nova calça e túnica para vestir por baixo da armadura cor de ébano, e prometi a mim mesmo que pagaria quando a encontrasse novamente, não queria ficar devendo favores a ninguém.


Resolvi passar o segundo dia ainda na estalagem e fiquei inventando e descartando inúmeras formas de me apresentar quando finalmente estivesse diante do rei. Nada parecia apropriado o suficiente. Eu precisava convencê-lo de que estava livre da influencia do Lich Rei e que, embora tenha tomado inúmeras vidas, tanto da Aliança, quanto da Horda, estava disposto a me juntar ao seu exercito e lutar contra aquele que um dia me dominou.


Eu precisava disso... precisava me redimir, caso contrario não encontraria paz para minha alma atordoada. Precisa compensar o mal que havia feito... precisava me juntar à luta do lado daqueles que desejavam destruir o Flagelo e levar um pouco de alívio as famílias que tanto sofreram por causa dele, precisava dar um pouco da sensação de justiça para mim mesmo, equilibrar minha balança, embora eu secretamente temesse que isso nunca fosse possível.


Passei boa parte daquela tarde descansando e dando chance ao meu corpo de se recuperar, que não percebi o tempo passar e quando me dei conta, olhei pela janela, o sol caía no horizonte e a lua logo avançaria pelo céu. Era minha hora. Durante o dia chamaria atenção demais, então resolvi espera a noite para sair e checar se meu corcel da morte estava bem.


Como imaginei, ele permanecia no mesmo lugar que o havia deixado, quase imóvel. Pareceu se mover apenas quando percebeu minha presença.


- Esteja pronto, Thuryon! Partiremos quando a lua estiver em seu ápice. – cochichei próximo a sua cabeça, sabendo que o animal me entendia.


Voltei a taverna, pedi mais um cozido e uma cerveja àquela mesma moça e me retirei para o quarto.


Passei as horas seguintes de frente para a janela observando o céu, me preparando e pensando, quando uma sensação errada se espalhou pelo meu corpo. Era como um aviso. Algo que nunca senti antes, nunca tive medo de nada, mas aparentemente a liberdade da mente pode trazer malefícios também. Algo dentro de mim me dizia para partir, para correr.



Não sabia o que fazer. Não queria admitir que estava com medo, não do que poderia acontecer, mas da sensação em si, medo de não entender o que estava acontecendo comigo. Sentir coisas era raro e não estava acostumado, então resolvi esperar até a hora que havia escolhido anteriormente para partir. Não sucumbiria à essa sensação, queria estar no controle de tudo, inclusive e principalmente da minha mente.


Afastei a sensação e foquei novamente no que diria ao rei, pensando em alternativas enquanto andava em círculos pelo quarto, até que julguei ser a hora correta para partir. Já até me sentia aliviado por não ter saído correndo antes, nada havia acontecido e tudo estava saindo como planejado.


Fui até Thuryon e o selei. Subi no meu cavalo e me dirigi à estrada. A noite estava bem iluminada, repleta de estrelas com uma enorme lua cheia. A viagem não seria tão ruim assim, afinal.



Começamos nossa cavalgada tranquila até a rota para Ventobravo quando algo me chamou a atenção, quase no fim do alcance da vista havia um cavaleiro montado que pareceu notar minha presença assim que notei a dele. Ele então deu início ao galope com o seu cavalo na minha direção. A sensação voltou mais forte e então eu soube que era aquilo a que sensação se referia e que não iria acabar bem.


Continua...

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