A Redenção de Johan - Parte I
Esse é mais um conto que eu estou escrevendo/tentando editar. São 19 páginas no Word, então vou postando aos poucos.
Espero que gostem.
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Eu estava a caminho de Ventobravo, esperava conseguir uma audiência com o rei, me libertar de vez das amarras do meu passado e tentar corrigir meus erros. Ofereceria minha lealdade à Aliança, de onde ela nunca deveria ter saído e de onde, de fato, não teria saído, se eu tivesse o controle da minha mente.
Ainda na estrada avistei o vilarejo de Vila D’Ouro, estava cansado da viagem, ainda com muitas dores e cicatrizes da última batalha. Decidi que passaria um dia ou dois na estalagem antes de me dirigir ao castelo da imponente cidade de Ventobravo, afinal, não poderia simplesmente aparecer do jeito que estava diante do rei.
Eu sabia que não seria exatamente bem recebido nas terras dos humanos, muito embora tenha sido um deles muito anos atrás e, apesar de ainda possuir a mesma anatomia e forma física, compreendia que nem todos me veriam como um igual.
Há algumas arvores de distância deixei meu corcel da morte preso à uma árvore e segui a pé. Não era bem um cavalo, mas era o meu único companheiro de viagem e que me não me julgava pelo que era, nos aceitávamos e provavelmente seríamos o único companheiro que o outro teria pelo resto de nossas vidas.
Já à passos de distância, puxei meu capuz para cobrir meu rosto e adentrei ao vilarejo, que não é lá muito grande. Não demorei a encontrar a estalagem e, no momento em que coloquei os pés dentro do local, diversos cheiros preencheram meu olfato: cheiro de comida quente, cheiro de lenha queimando, cheiro de vinhos e cervejas... Cheiro de casa, de família e amigos...
Afastei esse pensamento e sorrateiramente me aproximei do estalajadeiro e solicitei um quarto por dois dias, a gentil moça pareceu entender que gostaria de discrição e não me fez mais perguntas assim que lhe ofereci as moedas de prata, e prontamente se pôs a caminho de forma a me conduzir ao quarto.
Talvez pelo meu traje, talvez pela falta de palavras, ou simplesmente pelo cheiro de morte que me segue desde o fatídico dia que mudou minha vida, e o que faz com que as pessoas mantenham seguros passos de distancia de mim, ela me conduziu a um dos quartos mais distantes e escuros da estalagem. Agradeci e pedi para que providenciasse um banho.
Precisava limpar as feridas com urgência para facilitar a cicatrização, mas o principal motivo do banho era estar o mais apresentável possível. Eu sabia que não poderia enganar ninguém, bastava olharem para o meu rosto para que eu fosse identificado. Ou as pessoas corriam, geralmente os mais espertos, ou me enfrentavam e rapidamente se arrependiam.
A água quente chegou e pude ver a fumaça levantando dos baldes e embaçando os poucos vidros da janela do meu quarto. A sensação da água quente na minha pele fria era algo que não sentia há muito tempo, então fechei os olhos e me dei ao luxo de aproveitar esse momento. Depois de terminar o banho, era hora de checar as feridas. Elas estavam bem feias e eu não tinha o necessário para cuidar devidamente delas, então improvisei uma proteção com retalhos daquilo que um dia foi uma túnica. Acho que se ainda pudesse sentir alguma coisa, choraria, mas sentimentos eram só para os vivos.
Talvez essa seja uma das coisas mais difíceis de enfrentar na minha condição e todos que se encontram na mesma situação que eu, não conseguimos sentir corretamente e não sabemos mais como nos expressar e isso é doloroso, é como se houvesse um vazio onde antes existiram tantas coisas que você não sabe mais como eram.
Mas eu precisava ser sincero comigo. A audiência com o rei não era a única coisa que me empurrava para Ventobravo, havia um sopro de esperança junto, havia algo mais, algo que poderia me fazer sentir de novo, ou pelo menos tentar.
Eu cortei esse pensamento tão rápido quanto ele veio, e voltei a olhar para o retalho no meu braço esquerdo e percebi que talvez comer algo pudesse ajudar a cicatrização. Não é como se precisássemos comer, mas as vezes pode ser necessário e produtivo para ajudar na recuperação ou nos fortalecer antes de uma batalha.
Deixei o quarto e desci para o andar térreo da taverna, onde os aromas voltaram a me envolver. Era um lugar simples, uma grande mesa ocupava o local próximo à lareira, que queimava vigorosamente soltando brasas vermelhas e bastante fumaça. Fui até a mesma moça que me alugou o quarto e perguntei pelo cardápio da noite.
- Hoje temos o famoso cozido de Cerro Oeste. Cá entre nós... é só uma brincadeira, nem é tão famoso assim, é bem comum em Cerro Oeste, mas o nosso cozinheiro não é lá tão original e é o que temos em boa parte dos dias da semana. Tem carne, legumes...
Já havia parado de prestar atenção na detalhada descrição da moça, me perguntando como alguém como ela poderia estar tão confortável jogando conversa fora com alguém como eu, quando algo na outra ponta da estalagem me chamou a atenção. Aparentemente uma mulher, também de capuz, com a cabeça discretamente voltada na minha direção. Ela parecia estar muito interessada em mim, o que geralmente terminava em problema.
- ... então senhor, vai querer?
Minha mente se forçou a ouvir o que a atendente falava, precisava sair dali o mais rápido possível, estava atraindo atenção demais.
- Quero, mas vou comer no quarto. – disse com pressa para a atendente.
- Serviços de quarto cobram uma taxa...
Joguei mais algumas moedas para a moça sem deixa-la terminar e subi para o quarto. Pelo canto do olho percebi que a mulher do capuz acompanhava meus movimentos enquanto andava escada acima.
Poucos minutos depois veio a batida na porta seguida do anúncio.
- Seu cozido, senhor. – informou a mulher.
- Essa foi rápida. – disse abrindo a porta e quase instantaneamente fechando-a.
E com uma força que eu diria não condizer com o corpo esbelto e relativamente fino, a mulher de capuz projetou uma luz dourada impedindo que eu pudesse fechar a porta. Com a outra mão trazia meu cozido e disse debochada:
- O que umas moedas de prata não fazem, não é mesmo?